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-É ele!
-Ah?
-É ele, não se mova.
-Mas,
-Tenho quase certeza que é ele.
-Mas ele quem?
-Shhhhh, finge que não está vendo.
-Mas eu não estou vendo, de quem você está falando?
-Shhhhhh, disfarça, disfarça, assobia.
-Mas eu não sei assobiar.
-Shhhhh, assim ele vai perceber.
-Mas de quem você está falando?
-Lalalá... canta comigo amiga, vou deixar a vida me levar...
-Perae, o que está acontecendo?
-Ele vem vindo, ele vem vindo, olha pro céu, talvez ele pare ao seu lado pra ver o que você está vendo, é uma chance
-O que?
-Não, pro céu não, vai que ele vai te achar maluca olhando pro teto da rodoviária.
-Mas...
-Olha pro chão, ele vai achar que você perdeu alguma coisa e vai querer te ajudar.
-Você...
-Não, pro chão não que vai que vocês encontram uma barata, não é uma boa impressão pra um primeiro encontro.
-Perae...
-Olha pro além, finge que está filosofando.
-Afff!
-Não, pro além não, ele pode pensar que você é cega, com aquele olhar fixo, ou ainda uma lunática, precisamos pensar em alguma coisa.
-Os últimos minutos já estão me fazendo pensar muito, como eu nunca percebi que você não era normal?
-Cadê ele?
-Sei lá.
-Cadê? Cadê? Onde ele foi? Ele estava ali.
-Talvez tenha ido no banheiro.
-Ah, então vamos, precisamos ficar na porta do banheiro, quando ele passar você derruba uma caneta.
-Não, eu não vou a lugar nenhum, não arredo o pé daqui.
-Vamos, vamos, tem alguém saindo do banheiro.
-Pára de me puxar, a rodoviária inteira está olhando pra nós. Não adianta tentar, o máximo que você vai conseguir é arrebentar meu bolso da calça.
-Tudo bem, vamos esperar. Nunca vi uma pessoa mais estranha que você.
-Estranha? EU????
-Olha lá, ele vem vindo.
-Raios! Toda essa frescura e eu nem conheço. Você quer me fazer o favor de dizer quem é???
-Como quem é? É o João Marcelo!
-O QUÊÊÊÊÊÊ?????????????
-Disfarça, disfarça. Olha pro livro que ele tá chegando.
-Aaaaaaa como eu posso disfarçar se esse deus grego está aqui tão perto?
-Shhhhhhh você está falando alto.Canta comigo, vou deixar, o João me levar, pra onde ele quiser... ele está entrando no ônibus.
-Ai socorro, no mesmo que eu vou entrar?
-Shhhhh continua cantando e fazendo cara de paisagem que todo mundo aqui me conhece, não posso participar de um escândalo.
-O que eu faço? O que eu falo?
-Não faz nada, pega a mala e continua cantando.
-Tá, vou deixar... a vida. Num dá, num dá pra cantar.
-Também, desafinado assim melhor não cantar, respira cachorrinho que vai ter mais efeito.
-Me abraça?
-Claro que não, aqui? Na frente do embarque?
-É, eu preciso de um abraço.
-Não, aguarde, comporte-se, lembre-se: Você é uma lady. Empina esse nariz e continua a respirar.
-Ufff! Ufff! Ufff!
-Pronto, entrega sua mala pra ser colocada no bagageiro.
-Posso falar uma coisa?
-Devagar, respirando.
-EU NÃO AGUENTO MAIS RESPIRAR. EU QUERO FUGIR!!!
-Concentra, concentra, foca, inspira.
-Tá, agora eu vou entrar, me dá um abraço.
-Agora sim, pronto, boa sorte.
-Ei, volta aqui! Me dá tchau! Ei, amiga!
-Com licença, desculpe. Ops, foi sem querer. Ah, me desculpe, mas não fique brava, suco de laranja é bom pro cabelo.
-Com licença, senhor. Alô? Oi?
-Fala moça.
-É, hum... er... esse é o meu lugar.
-De jeito nenhum, poltrona 9 é minha.
-Não, não é não, é minha.
-Mostre sua passagem.
-Tá aqui ó.
-A sua é a 32, moça. É lá no fundo.
-É que houve um engano, eu tinha intenção de comprar a 9, mas quando fui comprar não estava mais disponível.
-Então não houve engano, a 9 é minha.
-Então, mas o que vale é a intenção né?
-Não, claro que não. Moça, a sua é a 32.
-Tá bom.
-Senhor?
-Fala moça.
-É, eu acabei de descobrir que mudaram as poltronas de lugar.
-Como assim?
-É, dê uma olhada no número da sua poltrona.
-Ué, como esse 32 veio parar aqui?
-Foi o motorista, ele disse que estava enjoado das poltronas sempre no mesmo lugar, fez isso pra divertir os passageiros.
-Moça, não adianta mudar os números, eu não vou sair da minha poltrona e é melhor você ir pra sua antes que eu chame o motorista.
-Tá bom, tá bom, não precisa ficar bravo.
-Hã-hã.
-Faaaala moça.
-É, desculpe interromper.
-Não desculpo nada.
-É que eu lembrei agora que a última vez que eu fui em uma cartomante ela disse que meu fim estava próximo.
-Se continuar a me irritar...
-E ela disse que eu terminaria meus dias numa poltrona de número 9.
-Ahhhh minha nossa senhora, de onde você surgiu?
-Então, e ela disse que as pessoas do ônibus que eu estivesse viajando morreriam também se eu não estivesse no número 9.
-Mas como você é implicante, sabe o que significa NÃO?
-Tudo bem, tudo bem, não precisa gritar.
-Oi!!!
-De novo, moça?
-É.
-Porque tá sussurando?
-Shhhhhh
-Alguém deve ter me rogado uma praga. O que foi agora?
-Descobri que vão fazer um sorteio no ônibus.
-Sorteio?
-É, e descobri que está tudo combinado.
-Combinado?
-Sim, o motorista vai sortear a poltrona 32.
-Ah, juuuura?
-Juro!!!
-E porque justo a 32?
-Porque é a idade dele!
-Ah, saia daqui antes que eu te dê um peteleco.
-Argh, tá bom, não precisa ser ignorante, eu só queria ser gentil.
-Moço, é a última vez que eu venho aqui, prometo.
-Sim, é a última vez mesmo! Senta logo nessa maldita poltrona, antes que eu te jogue pra fora do ônibus!
-Obrigada!
-Desde que você me deixe em paz é um prazer deixar você sentar nessa poltrona.
-Puxa, valeu hein!
-Até que enfim, consegui a poltrona 9! Oi.
-zzzzz
-Moço?
-zzzzz
-Bom, talvez você esteja mesmo dormindo, ou então é tímido. Bom se você for tímido como eu, deve estar só fingindo e vai me ouvir. De qualquer modo, mesmo que você esteja dormindo, eu sei que o seu subconsciente está captando tudo que eu estou falando. É mais ou menos como aquelas terapias ou cursos que fazem com as pessoas dormindo. Bom, foi difícil chegar aqui, mais difícil ainda criar coragem pra falar com você. Sabe, desde a primeira vez que eu vim pra sua cidade que eu te achei bonito. Lembra, uma vez que você estava no Franz Café e minha amiga e eu, (ela mora na sua cidade) estávamos lá? Depois nós ficamos te seguindo por um bom tempo. É, acho que você nunca percebeu né? Ou fingiu? Ahhhh moço esperto!!! E eu achando que você não sabia de nada. Passei várias vezes em frente à sua loja, mas você nunca estava lá. Em compensação, conheço todos os atendentes e sei o preço de várias mercadorias. Posso até trabalhar lá. É, trabalhar lá não dá, porque eu tenho uma vida na minha cidade, mas eu posso vir sempre nos finais de semana. Eu gostaria muito de sair com você. Você é bem quieto né?
Eu adoro homens quietos, os quietinhos são os melhores. Você aliás deve ser bom em muita coisa, tão bonito, forte, cheiroso. Nossa, é muito difícil de falar tudo isso, afinal eu estou aqui falando e ainda nem tive coragem de olhar no seu rosto. Mas eu vou olhar. Melhor, vou te dar um beijo, assim eu fecho os olhos e não fico com vergonha.
-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!
-Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!!!!!!!!
-Sua louca, o que é isso?
-Mas, mas, você...
-Eu o que? Tá doida? Nunca te vi e acordo com você tentando me beijar.
-Mas você não é o João Marcelo!!!!
-Claro que não, sua maluca!
-Senhor.
-Ah, não, você de novo, não. O que foi agora?
-O senhor podia trocar de poltrona comigo.
-Mas de novo? Você não queria a 9? Eu te dei, agora você quer essa de novo?
-Prometo que é a última vez!
-Vai ser mesmo. MOTORISTAAAAAA!
Bom, pelo menos estou num ônibus longe daquele maníaco pela poltrona e do farsante, onde já se viu se disfarçar de João Marcelo?
Opa!!!
Mas... Não! Não pode ser! O que eu faço? O que eu faço? Respirar, assobiar, olhar pro teto, olhar pro chão, olhar pro infinito, cantar uma música. Não consigo fazer tudo isso junto, como era mesmo? No mesmo ônibus que eu!!! Isso é muita sorte!! Eu preciso sentar do lado dele!
-Com licença, senhor.
-Pois não, moça.
-É... a sua poltrona está errada.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
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eu espero que isso seja apenas um conto! ahahha
ResponderExcluiradorei!
espera que eu ainda não aprei de rir.
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