quinta-feira, 6 de março de 2008

Distração

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Post antigo, baseado em fatos bem reais e que teve um final triste não relatado.

Nos conhecemos há tempos. Confesso que quando a conheci, ela era apenas mais uma moça bonita.
O acaso foi fazendo com que nos encontrássemos.
O tempo colaborou aumentando a freqüência destes encontros.
Os amigos fizeram sua parte convidando-nos para os mesmos eventos.
Depois de alguns meses e muitos encontros casuais, meus olhares eram outros em relação à ela.
Algum sentimento estava tentando aparecer. Eu não sabia exatamente o que poderia ser. Quis acreditar que era um sentimento de amizade, talvez uma amizade mais forte.
Era algo que me fazia querer ficar ao lado dela mais tempo do que o que costumava ser normal entre nós.
Às vezes, passávamos o dia todo juntos e antes mesmo de nos despedirmos eu já sentia saudades. Mas amigos sentem assim também, não?
Começamos a nos ver com uma freqüência um pouquinho maior.
Comecei a notar o quão sedutora ela era, mesmo sem saber que o era assim. Sem que ela imaginasse, aqueles cabelos pretos e lisos sendo balançados pelo vento simplesmente me hipnotizavam. Seu perfume adentrava minhas entranhas de tal forma, que eu podia sentí-lo durante o tempo que estávamos distantes.
Sua leveza no andar, seu sorriso encantador, o olhar penetrante. Tudo nela me atraía, e assim fui sendo envolvido por sua beleza.
Alguns dias eu acordava pensando nela. E passava assim o dia todo. Uma sensação boa por ter em quem pensar. Há tempos eu não tinha isso. Não desta forma, não desta maneira, não nesta intensidade tão inofensiva.
Por outro lado, me recriminava por estar quebrando minha determinação de não me envolver tão cedo com qualquer pessoa.
Mas eu não estava me envolvendo, estava apenas pensando. Pensar não é crime nenhum, pelo contrário, é saudável. Eu estava me distraindo enquanto pensava nela. Isso mesmo! Distração!
Às vezes saíamos a sós, outras com os amigos; mas sempre estávamos próximos. Seus beijos me levavam às nuvens. Que boca macia, quente, gostosa! Arrisco a dizer que nunca beijei de tal forma e nunca fui beijado com tanto desejo, carinho, sentimento.
Mas, sentimento é algo que eu não queria por hora, então me detive no desejo. Queria ir além, queria mais do que seus beijos.
Mas não conseguia.
Não me faltava vontade. Justo a mim! Claro que não faltava vontade! Mas com ela era diferente. Queria sentir seu corpo pulsando junto ao meu, mas, simplesmente não conseguia. Obviamente que não era por sentir algo a mais, mesmo porque eu não sentia. Talvez esta fosse a primeira pessoa que eu estava respeitando de verdade.
Passei a sentir sua falta com mais freqüência do que considerava normal. Quando percebi que este sentimento começou a incomodar, decidi me afastar. Não queria me envolver, não podia esquecer minha premissa. Se a distração estava tomando proporções maiores do que deveria, então ela precisava ser eliminada, ou no mínimo afastada, até que voltasse a ser distração.
Com os plenos poderes do controle de meus sentimentos me afastei.
Mas ela não queria se afastar.
Eu tinha esquecido que já não estava mais me distraindo sozinho.
Expliquei; disse que não queria nada além daquilo e fechei meu peito para o que pudesse vir. Não me derreteria com lágrimas, olhares tristes ou mesmo palavras de apelo. Fui um pouco grosseiro, mas expus meu ponto de vista e meu desejo, e ele foi aceito.
Sem uma só palavra, uma só lágrima, um só olhar, ele foi aceito!!!!
Quem era aquela mulher, que apesar de querer estar ao meu lado, me entendia e atendia àquele meu pedido egoísta?
Me senti muito mais leve, ou pelo menos queria me sentir assim, depois da conversa. Voltei pra casa com a sensação do dever cumprido. Agora que tudo estava esclarecido eu poderia continuar a minha vida ao meu modo, sem precisar sentir saudade de quem quer que fosse no meio da tarde.
Porque era exatamente no meio da tarde, naquele momento em que eu começava a sentir sono por ter comido rápido demais, sem mastigar direito, e o trabalho estava enfadonho porém intenso, que eu sentia sua falta. Que hora mais imprópria para sentir saudade de alguém! Aquilo atrapalhava minha produtividade, minha concentração, então pelo bem da minha eficiência, coloquei um ponto final no incômodo. Era bom ter o poder em minhas mãos. Me sentia muito bem.
Mas nem sempre é assim, não? A vida brinca muito com a gente e o coração prega peças.
Exatamente quando eu achava que estava bem, a imagem de seu rosto, o cheiro de seu perfume, a lembrança dos seus cabelos ao vento; tudo isso vinha à tona na minha mente. Por mais que eu as enterrasse, as lembranças simplesmente ressurgiam, renasciam ainda que mortas.
Muitas vezes senti assim. Muitas vezes a procurei para matar minhas saudades e depois a evitei com medo de me envolver.
Mas quem eu queria enganar? Só se fosse a mim mesmo. Não precisava ter medo de me envolver, afinal, eu descobri que já estava muito mais do que envolvido.
Estando impossível continuar assim, resolvi atender às súplicas daquele que bate em meu peito e me entregar. Que fosse o que tivesse de ser. Não pensaria mais no amanhã, viveria apenas o hoje e para isso queria que ela estivesse ao meu lado.
Conversamos. Sentimentos recíprocos foram expostos e agora eu me sentia muito melhor. Até mesmo aquela recriminação, do meu eu, que se sentia incapaz de manter uma promessa, desapareceu.
Começamos a viver uma história de amor. Uma história digna de ser registrada nos anais da humanidade.
Nos tornamos o casal mais feliz de que tínhamos conhecimento. Claro que nem tudo eram rosas, os espinhos também existiam. Mas os espinhos nós cortávamos. Sempre juntos, resolvíamos todos os problemas. Conseguíamos manter nossa chama acesa ainda que a rotina tentasse apagá-la.
Dizem que no começo, o que se sente é paixão, aquele fogo, aquela empolgação, aquele nervoso, aquela ansiedade. Depois, o que resta, se resta, é que é o amor. O amor é calmo, sólido, constante, tranqüilo. E era assim que sentíamos.
Então ouvi alguém me chamar. O ônibus tinha chego ao ponto que eu sempre descia. O cobrador, acostumado com minha rota e notando que eu estava em devaneios, me alertou para a parada.
Desci e comecei a me dirigir para a rua de minha casa, com passos lentos e olhar altivo. Enquanto seguia meu rumo, a encontrei. Ela virou a esquina vindo em minha direção. Eu me senti paralisado, era como se eu ordenasse às minhas pernas que corressem, para que eu fugisse de seu olhar, mas elas não me obedeciam.
Tentei me esconder, mas foi em vão. Aquele sorriso me atingiu e me fez balbuciar algumas palavras.
Ela seguiu seu caminho. Eu virei a esquina e pensei como seria se um dia eu tivesse cedido aos desejos do meu coração. O quão eu poderia ser feliz com aquela que dominava meus sonhos e meu pensamento. Cheguei a sentir uma pontada de tristeza querendo me dominar, mas eu, o homem que tem poderes sobre o sentir, não me deixei abalar. Afinal, eu escolhi assim.
Melhor desta forma, do que arriscar jogar no lixo, ao transformar em realidade, a imagem perfeita que eu havia construído dela e de como poderia ser o nosso relacionamento.

2 comentários:

  1. malu, tu é muito boa escritora.
    e eu acho q o casal poderia ter se dado bem...

    quem não arrisca não petisca! hihi

    beijocas

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  2. Belo texto Malu .
    Me fez pensar bastante.

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